data-filename="retriever" style="width: 100%;">Dia destes, fui convidada a falar numa organização que reiniciou as atividades presenciais. Antes, fui conhecê-la, saber do evento e do objetivo da minha fala, já que recusara ao convite em plena pandemia, mas cedera agora pela insistência da manutenção de contato.
Na visita, vi que era significativo o número de funcionários entre os 60 e 77 anos; deles, muitos com mais de 30 anos na empresa, e neste grupo era expressiva a quantidade dos que viviam crise pessoal ou profissional levando-os a não quererem se aposentar.
A empresa tem um forte viés católico, o proprietário construiu uma capela, quase catedral, no pátio, uma vez por semana, em horário alternado, um padre celebra a missa, e os participantes são dispensados dos afazeres.
Li os questionários sobre o evento, a sugestão de assunto, e vi que eram unânimes as respostas dirigidas ao envelhecer, a vida interior, a relação interpessoal e a espiritualidade.
Voltei pensando que, com o passar dos anos, algumas pessoas sentem falta de tempo para se autocultivar, dar atenção à dimensão fundamental, descartar o imediatismo, focar no definitivo, na oração, na meditação, e em Deus.
Quando me preparava e escrevia o roteiro da fala, pensei no quanto a criança e o velho se avizinham de Deus, já que o jovem e o adulto vivem ocupados ou ardendo no fogo das paixões. A criança leva a sério o brincar e o idoso o rezar, pois seu coração já não vive tão distraído.
Em contraposição, lembrei que a velhice pode ser habitada pelo demônio meridiano. Esse demônio do meio-dia que ataca quem está há tempo na rotina da vida. Ele traz tédio, secura, desinteresse, perda do entusiasmo e da inveja de quem vive o peso do compromisso ou de quem está em outro grupo.
Se a pessoa viveu frustrada, não conseguiu se entusiasmar nem colocar a alma no dia a dia, esse demônio ataca forte, reforça a desesperança do que não encontrou sentido no que viveu e fez, pois ao olhar o percorrido, vem a impressão de ter andado por rua desinteressante, que resta pouco, e que os passos dados estão nas garras do demônio meridiano descrito pelo monge-teólogo João Cassiano, no século IV.
Ao concluir meu escrito, entrevi que hoje, esta realidade ataca pessoas de todas as idade, e que recebe, de Viktor Frankl, o nome de vazio existencial.
Quem está na garra deste demônio é tentado a buscar compensação, privilégio, distração e fuga, que o livre do mal-estar. Outros cultuam amargor, intriga, fofoca, e murmuração.
Lembrei que essa fera pode ser exorcizada pelo diálogo pessoal ou grupal, apoio de padre, psicólogo, psicanalista ou outro profissional, e pela relação circular: consigo, com o outro, com a natureza, e com Deus. A meditação, a oração, e a escuta também ajudam a reencontrar o sentido e o afã de viver.
Caro leitor, já tinhas ouvido falar neste demônio?